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Não é um conto de fadas

Não é um conto de fadas

5.0
5 Capítulo
37 Leituras
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Sinopse

Índice

Selena, uma jovem inocente e cheia de sonhos tem uma vida humilde e carregada de dificuldades ao lado da família. Luta todos os dias na esperança de um futuro melhor, apesar de todos os percalços impostos pela irresponsabilidade de seu pai, um viciado em jogos que não tem limites para as apostas. Todos os dias, uma perda diferente acomete a vida daquela família, todavia, não tendo mais nada para oferecer, o pai de Selena a entrega como prêmio de suas apostas. Agora, a garota que sempre gostou de histórias de conto de fadas e sonhava que um dia pudesse surgir um príncipe encantado em sua vida, será entregue de bandeja a Klaus, um apostador de índole duvidosa, um homem mal visto diante da sociedade. Todos os sonhos de Selena serão jogados fora, todas suas fantasias irão se perder diante do futuro nebuloso que lhe será imposto.

Capítulo 1 Um

Era só mais um dia cansativo na vida de Selena, uma garota de apenas dezessete anos. Após realizar inúmeras tarefas dentro de casa, auxiliando a sua mãe, a jovem saiu para ajudar o irmão mais velho na colheita. Depois da colheita, iria ajudar com as alimentações dos poucos porcos que ainda possuíam. Eram tempos difíceis. Outrora, a família possuía cerca de dezoito porcos, no entanto, só lhes restavam três. Até mesmo parte da colheita estava comprometida para o quitamento de débitos angariados por seu pai, o senhor Dogan.

O pai de Selena tinha sérios problemas com jogos de azar, era um vício que o consumia a cada dia. O pior de tudo, era que estava levando sua família ao declínio com ele. Por mais que dona Nina, mãe de Selena, clamasse por sua abdicação daquele mal, ela nunca era ouvida. Por muitas vezes, era agredida verbalmente por seu marido. O homem nunca a agrediu fisicamente, contudo as palavras por ele ditas, feriram mortalmente a alma daquela mulher. Sua vida era regada a muita tristeza, havia olheiras profundas a adornar a sua tez. Sua pele já era deveras enrugada, embora não fosse tão velha quanto de fato aparentava ser. Sua face descarnada, mostrava todo o padecimento de longos anos.

Quase todos os dias, Dogan saía ao entardecer e juntava-se a outros viciados na taberna da cidade. Vez ou outra, ele até ganhava algum jogo e coletava parca recompensa. Acreditando estar com a sorte ao seu lado, a cada pequena vitória, o velho não se continha e prosseguia na jogatina. Acabava perdendo o que havia ganhado e mais um pouco.

O grande problema, é que na maioria das vezes, havia apostadores perigosos que poderiam colocar a vida tanto dele quanto da sua família em risco. Sendo assim, ele nunca deixava de pagar uma aposta, por isso era sempre bem aceito na roda dos viciados. Todavia, era um preço muito alto a ser pago por sua família. Já não lhes restava muito, sobreviviam com muito pouco.

A roda era frequentada por diversos tipos de pessoas, além de criminosos, havia pessoas humildes como Dogan e alguns nobres que eram dotados de grandes fortunas. Entre eles, estava Klaus, um homem intrigante que chegava sempre com uma expressão nebulosa. Costumava beber muito durante a jogatina, assim soltava-se um pouco mais, deixando de lado parte de seu semblante carregado. Todos temiam a ele, principalmente o pai de Selena.

Klaus tinha sempre um guarda-costas que o acompanhavam todos os dias, principalmente quando este bebia além da conta, precisava ter a certeza de que chegaria bem em sua fortaleza negra. Assim era conhecida a grande e sombria residência dele; um castelo em ruínas. Os capangas de Klaus eram realmente assustadores, ninguém ousava não pagá-lo.

Raven, o irmão mais velho de Selena, era um poço de indignação. Todos os dias, reclamava e praguejava contra seu pai. Estava determinado a partir daquele lugar. Afirmava constantemente que seu prazo naquela vida, estava contado. Por mais que doesse, abandonar a mãe e a irmã que tanto amava, doía-lhe ainda mais, vê-las padecer a cada dia. Não achava justo, pois eram esforçadas e guerreiras, labutavam todos os dias na esperança de dias melhores, estes porém estavam cada vez mais distantes. Todas as vezes que seu pai chegava em casa, Raven se segurava para não brigar, pois isto sempre magoava muito sua mãe.

Quando Dogan ganhava, raras vezes, fazia questão de jogar as moedas em cima da mesa no intuito de mostrar que estava por cima, ao menos naquele momento. Quando não havia moedas, era fato que havia perdido outra vez. Raven apenas meneava a cabeça em negativa, já sabendo que o prejuízo aumentava.

Selena sempre observava com tristeza a derrocada de seu pai, seu coração ficava muito apertado. Após trabalhar tanto, sabia que todo o esforço daquele dia iria se perder mais uma vez para quitar mais um débito tresloucado do seu progenitor. Apenas suspirava com amargura e encaminha-se para seu quarto. Restava-lhe apenas descansar para mais um dia árduo que se seguiria.

Todas as vezes que se deitava na sua cama, gostava de imaginar várias histórias em sua cabeça. Lembrava-se de quando era pequenina e seu pai era muito diferente do que se tornou hoje. Ele pegava-a no colo e narrava várias histórias muito belas e com finais sempre felizes. Eram histórias com príncipes e princesa, fadas e muita magia. Belas princesas encontram seu verdadeiro amor em um lindo príncipe, frequentemente, resgatada de algum martírio por seu amor e herói, costumeiramente selavam seu amor com um beijo do mais profundo sentimento e viviam felizes para sempre.

Selena suspirou ao pensar sobre isso. Teria ela, o destino das moçoilas daquelas histórias? Adormecia imaginando-se em belíssimos vestidos, passeando em belas paisagens e encontrando um belo cavalheiro que a resgataria de sua vida tão medíocre. Sorria bobamente ao pensar nisso. Sua inocência a fazia acreditar que isso poderia, sim, ser possível algum dia.

Na manhã seguinte, Selena ajudou o seu pai a colocar alguns itens num caixote que levaria para entregar a um dos auxiliares de Klaus, era parte da colheita do dia anterior. Havia também algumas moedas que Dogan havia ganhado em outra noite, mal deu tempo de apreciá-las e já partiram para outro dono.

Ao ver o seu pai sair, ela sentiu que seus olhos marejaram. As poucas esperanças que tinha, estavam começando a diluir-se. Estava de volta a sua dura realidade, vestida de forma andrajosa e indo trabalhar mais um pouco. Suas mãos já calejadas não se assemelhavam em nada às delicadas e suaves mãos de uma princesa.

Direcionou-se ao pequeno cercado que prendia os porcos restantes e alimentou-os. Olhava cada um daqueles animais e pensava que em pouco tempo não estariam mais ali, dadas as circunstâncias de sua família. Mais uma vez a tristeza abateu-se sobre seu coração.

Contudo, a melancolia logo foi espantada pois a presença de Tomás a trouxe de volta a realidade.

- Oi, Selena. Como está?

- Como sempre. - Ela mal sabia o que dizer, não queria demonstrar tudo o que ia em seu coração.

- Você ainda me deve uma volta, lembra-se? Você prometeu que iria passear comigo.

- Ah, claro. - o seu rosto pálido, ruborizou-se imediatamente. - É que ando tão ocupada ultimamente.

- Pensa que não vejo? Todas as vezes que passo por aqui está a trabalhar. Deveria ter um tempinho para você.

- Eu sei, o meu irmão vive me dizendo isso.

- Ele está certo. - Ele passou as mãos pelos cabelos negros e prosseguiu. - Então, que tal caminharmos agora?

- Mas...

Raven que estava por perto e ouvia discretamente a conversa interferiu. - Vá logo, Selena. Por favor, divirta-se um pouco.

- Mas e o papai?

- Deixe que com ele eu me entenda, está bem? - Raven conhecia Tomás e sabia da boa índole do rapaz, eram grandes amigos, por isso não se interpunha ao convite. Estava cansado de ver o semblante amuado de sua irmã.

- Está bem, meu irmão. Mas, eu imploro para que não briguem.

- Não se preocupe, Selena. Do jeito que ele anda ultimamente, nem irá perceber a sua ausência. - Deu uma piscadela para a irmã.

- Então, senhorita? - Tomás prosseguiu. - Vamos? - Fez um arco com seu braço para que a moça encaixasse o braço dela. Ela ruborizou-se mais uma vez.

Tomás era um belo rapaz, um pouco mais velho do que ela. Trabalhava muito e guardava tudo o que podia para poder um dia sair daquela cidade onde moravam.

Era um lugar muito pobre e que dificilmente daria um bom futuro para ele. O jovem almejava sair daquele lugar algum dia em busca de novos e melhores horizontes. Raven compartilhava dos mesmos pensamentos do amigo.

Tomás e Selena caminharam bastante até abeirar-se do rio que cortava a cidade. Era uma fonte de renda importante para Assóris. Muitas pessoas dependiam da pesca naquele lugar. Naquela tarde, havia alguns pescadores executando sua tarefa tão importante.

Os dois conversavam sobre diversos assuntos, no início Selena apenas respondia aos questionamentos dele, era uma garota um tanto tímida. Pouco a pouco, foi se soltando e até arriscava iniciar algum assunto.

- Você deveria fazer como seu irmão. Partir deste lugar.

- Não posso fazer isso, aliás, eu gostaria que Raven também não o fizesse.

- Ele não vê futuro aqui, assim como eu. Você é uma jovem tão linda, tão esperta... Deveria querer ir além.

- Como ficam meus pais? Não posso simplesmente deixá-los.

- Perdoe-me, se estiver sendo inconveniente, mas seu pai não ajuda em nada. Esta é uma das principais queixas de Raven.

- Eu sei... - Ela baixou a cabeça. - Não precisa se desculpar. - Ela suspirou. - Eu ainda tenho esperanças de que tudo possa ser como era antes. Ademais, como minha mãe ficaria? Preciso estar ao lado dela, ser seu ombro amigo quando ela precisa. - Ela fez uma pausa um pouco constrangida. - Sabe, às vezes, meu pai é muito bruto com ela, deixando-a muito triste e chorosa. Eu gosto de estar ao lado dela e secar suas lágrimas, entende?

- Eu compreendo seus sentimentos. Mas o tempo passa... E se você não os tiver mais? Sozinha, como irá se virar aqui?

- Até lá, espero ter encontrado o meu príncipe encantado. - a sua face encontrava-se cerejada novamente.

- Príncipe encantado? - Tomás sorriu.

- Sim. - Selena sorriu ainda mais embaraçada.

- Você acredita que possa existir um príncipe que venha resgatá-la para viver em seu castelo?

- Não como nas histórias, é claro. Sou sonhadora, eu confesso, mas não tanto assim. Eu me refiro a um príncipe, mas seria alguém bonito, gentil, cavalheiro, adorável e de bom coração.

- Uau! Você é bem exigente. - Tomás não resistiu em sorrir novamente. - Será que encontrará alguém assim, com tantas qualidades? - Ele a fitou.

- Bom, se tiver algumas delas, já está bom.

- Aí fica um pouco mais fácil. Não existem homens perfeitos.

- Eu sei que não, mas não custa nada sonhar, não é mesmo?

- Gosto do seu jeito inocente de ver o mundo, me encanta. Você é uma garota maravilhosa, merecia uma vida um pouco melhor.

- Está tudo bem com a minha vida. Estou ao lado de minha família que tanto amo e isso é o que me importa. - Ela falava tentando convencer mais a si mesma do que ao rapaz. Logo baixou a cabeça.

- Tem certeza? - Tomás não resistiu em tocar o seu queixo e ergueu seu rosto delicado. - É tão linda...

- Imagine, não exagere.

- Não estou exagerando. Quem sabe seu príncipe não esteja mais próximo de você do que imagina?

- Eu... Eu preciso ir. Está ficando um pouco tarde, não quero chegar em casa após o anoitecer. O que os vizinhos irão dizer?

- Tem toda razão. Tem uma boa reputação e não quero ser o responsável pela mácula dela. Além do mais, Raven é meu amigo e não quero desapontá-lo.

- Obrigada.

- Vamos? - Mais uma vez, ele ofereceu o braço para que ela encaixasse o seu.

Assim, prosseguiram o trajeto de volta ao pequeno vilarejo. Raven os aguardava do lado de fora do portão. Saudou-os ao se aproximarem.

Havia um brilho diferente no olhar de Selena, era a primeira vez que ficara sozinha com um rapaz. Sempre optou por privar-se de sua existência em atenção aos familiares. Acabou dando-se conta naquele momento, do quão bom era poder viver como uma jovem de sua idade. Raven ficou deveras feliz com a aparência iluminada de sua irmã, a amava incondicionalmente e queria que ela pudesse ter um futuro feliz. Selena era sua irmãzinha querida e sabia que se ela continuasse seu caminho da forma como era, iria envelhecer ali naquela casa, sem nenhuma perspectiva de futuro.

- Como foi o passeio, Selena? - Ele inquiriu enquanto caminhavam para dentro da cozinha onde sua mãe já preparava uma sopa um pouco rala, porém de aroma muito agradável.

- Foi muito bom. Há tempos que eu não me esquecia um pouco das obrigações. Acho que a última vez que fiz isso, ainda era uma criança.

- Precisa viver um pouco, minha irmã.

- Eu vou tentar, não se preocupe. - Ela fez uma pausa. - Bem... O Tomás me convidou para darmos uma volta amanhã à tarde outra vez. Se você não se opor, é claro. - Ficou um pouco envergonhada.

- Acho uma ótima ideia. - Raven fez um cafuné na cabeça dela.

Logo se reuniram com seus pais para alimentarem-se. O pai dos dois estava apressado em sorver a sua sopa, estava atrasado para o compromisso daquela noite. Mal terminou de ingerir a refeição e já saiu.

O descontentamento sempre assolava-se sobre aquela família.

Selena direcionou-se ao seu quarto após se lavar e deitou-se na sua cama. Jogou seu cobertor surrado por cima do corpo e não demorou a começar a sonhar suas histórias encantadas. Desta vez, seu príncipe tinha um rosto; era o de Tomás.

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