Domênico Santiago, o Lobo do Mar, como assim o definiam, é um homem bem sucedido no mercado pesqueiro que conquistou o título ainda muito jovem. Quando tomou o controle da roda do Leme do Yara 2, logo depois de uma trágica decepção amorosa, jamais imaginaria que sua vida teria uma grande reviravolta com o aparecimento de uma mulher misteriosa.
A embarcação Yara 2 estava ancorada no deck dos pescadores na praia da pequena Ilha de Palmas. Ela abrigava os marujos: Anias, o cozinheiro da tripulação e mais velho do grupo, Bento, um jovem de 19 anos, Marinho, pai de Bento, Raí, cunhado de Domênico, o capitão do barco.
Todos, com exceção de Anias que permaneceu no Yara estavam se embebedando nos quiosques da praia, comemoravam a fartura da pesca de atum da semana. Alguns deles estavam na companhia de belas caiçaras em suas mesas, menos Raí, também conhecido como alemão. Ele ficou no balcão, com sua garrafa de cerveja e semblante divertido, pois podia ouvir dali as conversas dos amigos.
- E o capitão... Por onde anda?
Raí tomou falta do cunhado. A mulher que o atendia o encarou com expressão risonha e inclinou-se sobre a desgastada base de madeira do balcão.
- E não é que ele enlaçou a cinturinha de uma rapariga e foi para as choupanas!
Raí gargalhou.
- Coitada da moça, será que ela vai dar conta de quase dois meses de seca do capitão ?
A dona do bar franziu a testa.
- Então ele não é casado, como você?
A pergunta fez os lábios de Raí curvar jocosamente.
- Ele não quis mais se casar depois que perdeu a noiva para um protegido, o rapaz fugiu com ela da nossa cidade...
- Mas que falta de sorte! Um rapaz tão bem apessoado... - ela olhou ressabiada para o marujo - Com todo respeito, seu amigo é um homem que levaria uma ilha de mulheres pro mar, que louca o abandonaria?
Raí ergueu os olhos vermelhos e um tanto nublados para a mulher de pele acobreada e cabelos lisos, uma cabocla de meia idade da ilha..
- Diz isso porque não conhece nosso capitão, meu cunhado, sou casado com a irmã mais velha dele. Conheço aquele filho da puta desde pirralho, pensa na porra de um moleque teimoso com um gênio do cão.
A mulher sorriu.
- Nunca conheci um capitão arroz doce.
- Mesmo? Bem, ele está longe de ser um...
⛵⛵⛵
O corpo moreno e bem definido remexeu -se, incomodado com o lençol puído que enroscava-lhe os pés.
Despertando ainda um tanto confuso pelo álcool, Dom sentou-se na cama piscando até se situar. Seu olhar cerrado alcançou o corpo ao lado. A jovem com quem fez sexo durante algumas horas estava nua. Seu semblante relaxou por alguns segundos devido ao pensamento divertido que tomou-lhe a mente. Será que a teria matado de tanto transar? Percebeu que suas costas subiam e desciam devagar.
"Ela está respirando..."
Ele sorriu e desceu da cama para pegar a garrafa de cerveja sobre a pequena cômoda.
⛵⛵⛵
"O meu cunhado amava demais a sua Rosa... Ela era uma garota linda e desejada por toda a nossa Ilha... Ninguém imaginaria que aquela galega ia dar uma rasteira no capitão que o marcaria por muito, muito tempo..."
⛵⛵⛵
Dom vestiu as roupas que estavam espalhadas pelo chão. Primeiro a camisa branca deixando os botões abertos, em seguida a bermuda jeans e por último, calçou os chinelos e saiu da Choupana rumo à areia, segurando só a garrafa de cerveja.
A brisa fresca da noite estrelada desalinhou ainda mais seus cabelos de cachos escuros, cheios e irregulares. As mechas quase escondiam-lhe o rosto moreno, bonito e distante.
Ele ainda estava com vontade de fazer mais sexo, mas aquela garota não aguentaria suas investidas.
⛵⛵⛵
- Imagino o quanto deve ser difícil para ele uma traição dessas.
Comentou a mulher no bar e Rai curvou os lábios ironicamente.
- Você não entende... Não foi a traição o maior golpe que o nosso capitão levou... Seu protegido roubou sua noiva para uma fuga de barco no meio de uma tempestade... Só acharam a carcaça do barco, seus corpos nunca apareceram.
⛵⛵⛵
Dom respirou fundo fechando os olhos e durante minutos, apenas curtiu o barulho das ondas e o cheiro da maresia. Na verdade queria voltar para seu barco, já havia bebido demais. Quando abriu os olhos novamente, olhou para o Yara 2, seu barco de grande porte ancorado no deck. Aquele pesqueiro pertenceu a seu pai, o marujo Santiago, como era conhecido por seu sobrenome. O barco era um instrumento de trabalho que lhe foi passado quando ainda tinha 15 anos, alguns anos depois seu pai faleceu e desde então o Yara 2 estava só sob seu comando.
Uma fumaça vinha da escotilha aberta da cozinha. Provavelmente era Anias preparando o café.
Sim, era isso que precisava.
⛵⛵⛵
"Domênico nunca superou a morte de sua linda Rosa, por isso ele nunca se casou".
⛵⛵⛵
- Ah, aí está você...
Dom avistou Anias assim que desceu os degraus que o levaria ao interior do barco.
Anias paralisou no meio da passagem entre os compartimentos. Segurava um balde de alumínio com água quente.
- Pensei que estava fazendo café... - Dom o olhou com curiosidade, tentando se equilibrar apoiando-se nas vigas da estrutura do barco.
O cozinheiro percebeu que ele ainda estava bem alcoolizado.
- Eu... Eu vou tomar um banho, mas preparo um café se quiser...Venha!
Anias o chamou de volta para a cozinha.
Dom fez uma careta esfregando a barba escura.
- Quer saber? Não tô me aguentando em pé, vou pro meu colchão...
Anias voltou-se vendo-o se dirigir para os degraus que o levaria para a cabine de dormitório.
- Achei que dormiria com as caiçaras... _ comentou e Dom curvou os lábios.
- As miúdas estão cansadas demais para mim...
Respirando com um certo alívio, Anias se dirigiu para o banheiro.
- Aí!
Dom parou no meio do pequeno corredor e um tanto cambaleante voltou-se.
- Aqueles marujos vão fazer um barulho dos infernos quando voltarem... Vou dormir na cabine da despensa, tem um colchão velho por lá né?
Anias empalideceu e voltou-se também.
- Não!
Berrou ao vê -lo por a mão na maçaneta da portinhola.
Dom parou olhando-o confuso.
- Esse... Esse colchão tá... Um lixo só! - o cozinheiro colocou o balde no chão e correu em sua direção, interpondo-se entre ele e a porta.
- Definitivamente aqui não é o melhor lugar para você dormir!
- Mas eu disse que aqueles caras vão... - Dom parou de repente e franziu o cenho num repentino lapso de lucidez. As sobrancelhas espessas se juntaram enquanto encarava o homenzinho de porte forte e semblante desesperado. - Você já tomou banho hoje...
Aquilo não era uma pergunta.
- Anias...
Dom disse seu nome, baixo e enviesado, em seguida o afastou para o lado e abriu a porta.
O gabinete estava escuro, apenas iluminado pela luz da lua que atravessava a escotilha redonda. Ele escutou um barulho atrás das caixas de mantimentos.
- Dom, não... - Anias, às suas costas, tentou impedi-lo.
- Quem quer que seja, saia daí detrás!
O tom ríspido provocou um ruído no meio das caixas. Como se sua voz assustasse quem estivesse ali.
- Se não sair eu vou te pegar pelos...
- Dom, é só uma garota!
Anias gritou atordoado e quase ao mesmo tempo, surgiu a silhueta curvilínea, desenhada pela luz da Lua.
O capitão ficou de boca aberta ao ver o corpo nu surgindo devagar.
Temerosa, a jovem de cabelos bem curtos tentava cobrir os seios com um dos braços e a outra mão tampava o sexo. Ela tremia diante do olhar quase em transe do homem parado na porta. Poderia ser por seu corpo ainda respingar a água fria do mar ou pelo brilho alucinado dos olhos cinzentos e penetrantes do estranho sobre si.
- Velho... Ela veio do mar?
A pergunta do capitão foi quase um sussurro.
- Sim... E precisa de um banho quente...
Dom, Já com a respiração ofegante de desejo, mediu o corpo de pele cor de ébano.
- Então... Ele finalmente se redimiu do que me fez ...
- Domênico você não pode...
Anias interrompeu-se vendo a porta fechar diante de si, deixando-o do lado de fora.
O capitão mal piscava agora à sós com a bela desconhecida.
- Ele mandou você pra mim...
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