Afaste-me se puder

Acordo assustada com batidas na porta e não demoro a ir ver o motivo da urgência.

Parado a minha porta está Louis o ajudante do mestre Gengin, o curandeiro do nosso grupo.

" Me desculpe te acordar dessa forma Briana, mas sua mãe chegou a alguns minutos na tenda do Mestre Gengin e ela não está bem!"

__Diz ele alvoroçado.

" O que? Ok, vamos logo então..."

Eu fecho a porta com uma batida e saio correndo com a cabeça a mil.

Cristine não é minha mãe verdadeira, porém é a única que conheço desde sempre. Ela nunca me contou o que realmente aconteceu comigo, quem me abandonou e de qual matilha eu pertenci um dia.

Mais isso nunca me importou, ela sempre me amou e fez questão de cuidar de mim desde os meus dois anos.

Quem me abandonou nessa idade com certeza é um monstro que desprezo com todo o meu coração.

Chego ofegante a tenda do Mestre e não faço cerimônia pra entrar.

Encontro Cristina deitada e com uma palidez que desconheço. Seu rosto sempre radiante e sorridente, agora está contorcido de dor.

" Briana querida, que bom ver você..."

Ela diz tentando forçar um sorriso, que parece mais uma careta.

" Mãe! O que aconteceu? Por que você está assim? Posso fazer algum..."

Começo a fazer muitas perguntas sem dar nem tempo pra ela responder alguma, esse é um defeito que sempre tive quando estou muito nervosa.

" Calma minha filha, eu não tenho muito tempo... E preciso conversar uma coisa séria com você!"

Ela diz com um semblante triste.

As palavras dela me pegam de cheio, como assim não tem muito tempo, eu não consigo dizer nada, minha mente paralisou nessas palavras.

Então ela continua, vendo que não estou conseguindo falar. Aliás, algo que não é normal.

" Eu sempre pedi para o mestre Gengin não comentar nada com ninguém, mas estou doente desde antes de conhecer você filha, por causa dessa doença fui abandonada pelo meu companheiro e eventualmente decidiram me banir da matilha. Não guardo ressentimentos, mesmo o amando até hoje, eu nunca poderia dar um filho a ele em minhas condições e chegou num ponto que não podia mais ser mulher pra ele. "

Ela diz com a voz fraca e embargada pelo choro.

" Mãe, eu não sei o que dizer... Você não merecia nada disso, me diga quem é o filho da puta, que vou lá quebrar a cara dele!"

Digo em meu a enxurrada de lágrimas que caem pelo meu rosto .

" Não filha, está tudo bem... Quem ama deixa ir. E quando eu aceitei sua rejeição, fiz por amor. E por outro lado, se nada disso não tivesse acontecido eu nunca teria conhecido o grande amor da minha vida, você!" uma

Seu sorriso agora é radiante e me por um momento parece esquecer a dor que está sentindo. Então ela segura minha mão e continua.

" Eu tenho um câncer no útero filha, depois que te conheci, ele ficou adormecido por todo esse tempo, vivi lindos anos criando a filha que nunca poderia ter fisiologicamente. Você foi o maior triunfo de toda a minha existência. "

As lágrimas ainda caem descontroladamente, parece que estou em um pesadelo terrível e meu único desejo é acordar.

Cristine foi a melhor pessoa que já conheci na vida. Cuidadosa, carinhosa e mesmo não podendo me dar luxos e uma vida cheia de regalias, conseguiu me tornar uma pessoa de princípios.

Percebo que a cada momento sua respiração está mais pesada, deito do seu lado e coloca meu rosto em seu pescoço, essa era a posição que eu costumava dormir quando era pequena, gostava de sentir seu cheiro de mãe.

" Mãezinha, mais deve haver alguma coisa... A Catrina não consegue curar a senhora? " Digo com o rosto ainda colado em seu pescoço.

Catrina é a loba da minha mãe, um dos seres mais lindos e majestosos que já vi. Seu pelagem de um amarelo ouro, em contraste com olhos verde esmeralda.

Ouço um suspiro angustiado que minha mãe tenta reprimir. Mesmo estado nesse estado, consigo ver o esforço que ela está fazendo para não parecer tão abatida.

" Queria... A Catrina se foi a alguns minutos antes de você chegar. Por isso as coisas estão piorando tão rápido. Aquela loba sapeca foi corajosa até o final, ela tem segurado as pontas e deu o seu melhor para nos manter vivas nesses últimos 6 meses, após o câncer voltar."

Minha mãe diz com um sorriso choroso.

Pelo seu semblante distraído, posso perceber que ela está pensando em Catrina. Elas sempre se deram muito bem, diferentemente de mim e Kaly. Minha loba rebelde que está escondida em algum lugar sofrendo calada.

" Mãe eu sinto muito, eu não posso imaginar sua dor, o que podemos fazer mãe, eu te amo tanto..."

Olho para o mestre Gengin que está no canto do quarto de cabeça baixa e pergunto.

" Mestre, por favor! Tem que haver alguma coisa pra fazer, qualquer coisa! Me diga por favor... "

Os soluços escapam do peito me sufocam.

" Eu queria muito ter respostas para suas perguntas senhorita Briana, mais infelizmente o espírito do lobo da sua mãe foi para o outro plano. Não tem nada que possamos fazer. Katrina chama sua mãe para se juntar a ela. Essa é a lei da existência Lican, ao mesmo tempo que são dois, são um. Um não existe sem o outro. Em algum momento sua mãe terá que se juntar ao seu lobo na eternidade. "

Ele diz ainda mantendo o semblante baixo.

" Viu minha filha, isso é bom! Katrina deve estar assustada lá sozinha, sei que você ficará bem! E você Kaly, seja mais responsável e tome de conta da nossa Briana. E Briana, seja mais paciente com Kaly, ela pode ser um pouco impulsiva, mais ela te ama de todo coração. "

Sinto Kaly uivar em resposta a minha mãe, então ela se recua novamente.

Olho pra minha mãe e tento guardar o máximo dos detalhes do seu rosto. Ela é tão bonita, mesmo assim, nesse estado, posso ver seus traços delicados, pele branca e polida, olhos grandes e charmosos, lábios delicados e de uma elegância visível.

" Mestre, por favor traga aquela caixa que deixei com você..."

Diz minha mãe.

" Tive medo de acontecer alguma coisa e não conseguir falar com você, por isso resolvi deixar com o mestre, sei que você nunca teve interesse no seu passado, ia deixar com você logo, mais não queria te preocupar."

Diz ela com um sorriso amarelo.

O mestre vai até um cômodo ao lado e escuto ele destrancar algum móvel ou porta, não sei ao certo.

Logo ele retorna e posiciona a caixa cuidadosamente ao lado da minha mãe.

A caixa não é muito grande, mais é muito bonita, feita de uma madeira clara e toda entalhada com desenhos de flores e folhagens delicadas.

Minha mãe abre e tira de lá um diário de capa de veludo, uma pequena caixa transparente revelando haver um colar com um pingente que acabo não prestando atenção nos detalhes e um envelope gordo que também não estou interessada em abrir. Pois minha atenção está totalmente voltada para ela, tenho medo de desviar o olhar e ela me deixar.

"Querida preciso que você fique com essas coisas, esses diário conta tudo que sei sobre você, não é muito, mais se algum dia você tiver interesse em saber... Só tome muito cuidado! "

Pego o diário que minha mãe me entrega, minha cabeça que ainda repousava em seu pescoço e me sento na cama, ao seu lado.

" Esse colar estava em seu pescoço no dia em que te encontrei, e havia também um bilhete, e detalho o seu conteúdo no diário."

Depois de dizer isso ela suspira e seu rosto está envolto em dor novamente.

" Calma mãe, estou aqui... Estou aqui... Eu te amo tanto! "

E a única coisa que consigo dizer ao ver minha mãe ficar inconsciente.

Depois disso ela não acordou mais, quando o sol começou a lançar seus primeiros raios no seu, minha mãe se foi...

Não consegui dizer mais nada, meu coração doía e Kaly uivava em prantos dentro de mim. Minhas lágrimas secaram e só restaram a dor e o vazio.