Semáforos são os principais enfeites das ruas de São Paulo e bastou que Lorenzo Fonseca ignorasse um deles para que sua vida nunca mais fosse a mesma. Após uma batida de carro, o rapaz precisa arcar com uma indenização à Pâmela Duarte, ele só não esperava que o destino os uniria de outra forma e que diferentemente dele, ela teria todos os motivos para não ignorar o sinal vermelho de seu coração.
Ainda que não seja contra planejamentos, vovó Emília não é adepta à eles e é por isso que quase sempre está correndo contra o tempo - ou fazendo o restante da família correr. E como se não bastasse mandar uma mensagem em cima da hora no grupo da família, sequer me deu a oportunidade de fingir que não recebi seu convite de almoço, ligou-me perguntando se eu já estava pronta e eu, seguindo meu papel de neta preferida, respondi que já estava a caminho, quando na verdade eu nem tinha levantado da cama.
Arrumei-me o mais rápido que pude e saí de casa como uma louca desvairada. Nesse exato momento, encontro-me no carro, realmente a caminho da casa de vovó. Com a temperatura marcando 23°, minha pele queima dentro da blusa de algodão e o suor começa a escorrer pela minha testa. Para piorar minha situação, o tráfego de veículos em São Paulo está infernal. Diminuo a velocidade gradativamente quando o semáforo muda de cor e bufo frustrada. Já são onze e meia, e com a minha sorte chegarei lá somente no jantar.
Afasto os fios de cabelo grudados em meu rosto e fecho a janela para ligar o ar condicionado. Quando a temperatura esfria, respiro aliviada e ligo o rádio, colocando na minha estação favorita. Está tocando Expectations, o primeiro single solo da Lauren Jauregui após a pausa de Fifth Harmony. Batuco os dedos levemente no volante de acordo com o ritmo da música e alguns instantes depois, o sinal abre, permitindo que eu siga meu destino. Cantarolo o refrão com energia, enquanto adentro uma rua com um trânsito menor. Espero que daqui em diante seja mais tranquilo.
Avisto a tela de meu celular piscar e "amor" brilhar na tela. Curiosa, olho de relance para o semáforo que continua verde, mas antes que eu cogite pega-lo para ler a mensagem, um carro partindo do cruzamento em alta velocidade me faz pisar no freio, em uma tentativa frustrada de impedir a colisão. Arregalo os olhos ao ouvir o estrondo e sinto meu coração saltar do peito. Meu corpo pende bruscamente para frente e o cinto de segurança impede que eu me machuque gravemente. Minha cabeça bate no teto do carro e quando minha mão a toca, o sangue entra em contraste com meus dedos pálidos.
Que merda. Era só o que me faltava... um motorista bêbado.
Abro a janela do carro e coloco a cabeça entre o vão, gritando a plenos pulmões:
- Qual o seu problema, porra? Nunca ouviu a frase "se beber, não dirija"?
Pessoas curiosas deixam suas casas para ver o que aconteceu e logo ouço batidas na outra janela do carro. Franzo o cenho para a mulher que está fazendo gestos estranhos e abro-a.
- Meu Deus, moça, tá tudo bem? - Assenti. - Tem certeza? Você tá sangrando.
Desvio o olhar e abaixo o espelho interno. Pego um lenço umedecido no porta-luvas e limpo o ferimento com delicadeza. Por sorte foi apenas um corte superficial. Jogo o lenço na lixeira e saio do veículo para avaliar sua situação.
Sua frente está toda amassada, assim como a lateral direita do Chevrolet Prisma do outro motorista. A vidraça fumê me impossibilitaria de ver se ele ainda está lá dentro, contudo, parte dela havia quebrado, dando-me a visão de sua silhueta. Ele abre a porta do carro e afasta a multidão com apenas um sinal. Conforme ele se aproxima e checa meu estado, noto que há um misto de culpa e alívio em seu olhar.
- Você está bem?
Em seu tom de voz há suavidade e urgência. Seu visual, apesar de desleixado, não transpassa a imagem de um bêbado.
- Sim, mas não graças a você - respondo ríspida. - Você é louco? Poderia ter matado alguém.
Acidentes de trânsito acontecem e tiram vidas o tempo todo no Brasil, e é bizarro ver que dentre as principais causas está a imprudência do próprio ser humano.
- Eu sinto muito, a minha mãe...
Reviro os olhos sem querer ouvir sua desculpa esfarrapada. É sempre a mãe, a irmã, a tia, a namorada... nunca assumem a culpa.
- Pode remover seu carro da via, por gentileza? - o interrompo.
Ele fecha a boca, balança a cabeça em concordância e retorna até o carro. Pego meu celular em cima do banco do passageiro e tiro uma foto do ocorrido, de forma que fique visível as placas. Adentro meu veículo e assim que ele libera a passagem, tomo a iniciativa de fazer o mesmo, estacionando no acostamento. Ligo o pisca-alerta e visualizo o rapaz pegar o triangulo e sinalizar o acidente. Digito uma mensagem rápida para a vovó, avisando que me atrasaria para o almoço e me assusto quando sua voz soa ao meu lado:
- Podemos resolver a situação sem acionar a justiça, eu vou arcar com todos os prejuízos. - Ergo a cabeça para olha-lo e ele me entrega um papel contendo onze dígitos. - Esse é meu número pessoal, você pode me ligar para acertarmos os detalhes e novamente, eu sinto muito pela situação. Estou muito arrependido.
- Deveria ter pensado nisso antes de ultrapassar um sinal vermelho.
Pego o papel de suas mãos e abro os contatos de meu celular, digitando seu número e salvando seu contato como "sem noção".
- Confesso que já me deram apelidos piores - constata espiando o visor pela janela. Além de sem noção, é intrometido. - Meu nome é Lorenzo e o seu?
- Pâmela - respondo, com desdém. - Eu preciso ir, sua falta de atenção me custou um almoço.
- Posso arcar com isso também, Pâmela.
Ele se afasta do automóvel e fecho a janela, ignorando sua existência. Por sorte a casa da minha avó não fica distante daqui e há uma oficina em que poderei deixar meu carro para o conserto. Abro a caixa de mensagens do meu namorado.
Bom dia, amor [11h37m].
Sei que não temos conseguido passar muito tempo juntos, então o que acha de sairmos para jantar hoje? [11h37m].
Com o fim do semestre chegando, faz algum tempo que não saímos para nos divertir. O trabalho e a faculdade ocupam boa parte do nosso dia e os fins de semana tem sido dedicados aos trabalhos e preparação para as provas. Suspiro em chateação.
Desculpa, mas não vai dar. Vou almoçar na vovó e passar na oficina depois de lá [12h43m].
Oficina? Seu carro quebrou? [12h43m].
Longa história, explico quando chegar [12h44m].
Saio da conversa e digito na barra de pesquisa "sem noção". O perfil de Lorenzo aparece e abro a sua foto. Nela ele vestia uma camiseta preta que marcava seus braços repletos de tatuagens e sustentava nos lábios um sorriso ladino. Seus fios escuros estavam bagunçados e cobriam boa parte de seu rosto. Reviro os olhos e vejo-o adentrar seu carro. Ativo o teclado.
Boa tarde, gostaria de falar com o sr. sem noção [12h47m].
Minha família era pobre e eu tinha que trabalhar meio período todos os dias apenas para pagar as contas e poder entrar na faculdade. Na faculdade, eu a conheci, a garota linda da minha turma que os garotos sonhavam em namorar. Eu estava bem ciente de que ela era boa demais para mim. Ainda assim, reuni toda a minha coragem e confessou meus sentimentos a ela. Para minha surpresa, ela concordou em ser minha namorada. Com o sorriso mais doce que eu já tinha visto, ela me disse que queria que meu primeiro presente para ela fosse um iPhone mais recente. Eu fazia de tudo, até lavar a roupa dos meus colegas, para ganhar dinheiro. No entanto, acidentalmente a vi no vestiário beijando o capitão do time de basquete. Ao me ver, ela zombou de mim, e o cara com quem ela me traiu até me bateu. O desespero tomou conta de mim, não havia nada que eu pudesse fazer a não ser deixá-los me desvalorizar. De repente, meu pai me ligou e minha vida virou de cabeça para baixo. Eu era filho de um bilionário?!
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